08 março 2007

Brasília amarela


Morávamos num apartamento pequeno, no 4º andar de um prédio sem elevador. O quarto em que dormia era dividido com meus outros três irmãos, minha mãe nem sonhava em engravidar de novo. Dois beliches e um guarda-roupa, componham a mobilia do cômodo. Eu dormia na cama que ficava em cima da cama da Patrícia. Tinha medo de dormir com a janela aberta, o medo mesmo era de ser abdusida por E.T.s.

Certo dia, numa noite estrelada, tenho certeza que vi um disco voador riscar o céu. Sei que não era avião, pois as luzes que piscavam eram verdes. Fantasia de criança? Talvez. O medo não parava por aí, tinha também o dos morcegos e o de cair pela janela. Ouve até um dia que sonhei que estava caindo. Foi engraçado. Estávamos eu e minha irmã, com os braços abertos, tentando nos equilibrar fora da janela. Chega meu irmão alegre e feliz e nos abraça. Caímos os três. Antes de espatifarmos no chão, acordei. Estava prestes a cair da cama.

A posição da minha cama era estratégica, dava para ver a rua inteira. Ficava olhando a vida das pessoas no prédio ao lado. Toda vez que tinha uma mulher trocando de roupa com a janela aberta eu chamava o meu irmão. Quase sempre era mentira. Ele ficava bravo. Um belo dia tinha de verdade duas moças trocando de roupa. Gritei o Kinho sem parar, mas ele não acredita mais em mim. Depois de muita insistência, ele olhou. Elas já estavam vestindo a camisola. Ele ficou bravo comigo do mesmo jeito.

Nessa época, meu pai me deu uma função. Olhar o estacionamento e verificar se a Brasília amarela dele não havia sido roubada. Era engraçado. Todo santo dia, antes de descer, o meu pai me fazia olhar da janela e dizer para ele que o carro da família estava lá embaixo. No início eu gostava, depois comecei a achar a tarefa uma chatice. Mas fazia, quase sempre. Algumas vezes respondia que estava, mesmo sem olhar. Um dia cansei, me recusei a olhar. - Ah, meu pai! Claro que tá, quem vai roubar a Brasília?, respondi com malcriação.

Ele desceu. Eu, pela primeira vez, não respondi que o carro estava lá. Minutos depois ele sobe. Cabesbaixo, sentou no sofa abatido e ficou calado, enquanto minha mãe perguntava angustiada o que havia acontecido. "Roubaram o carro", ele respondeu. Acho que até hoje me sinto culpada pelo roubo!

2 comentários:

Anônimo disse...

Poxa, Let, fiquei triste com o fim... fique se achando culpada não. Iam roubar de todo jeito. Claro que fica a sensação ruim de você não ter cumprido direito o que se comprometeu com seu pai, né.

Adorei o texto. A infância traz tantas saudades na gente, né.

Bjos.

Sara Campos disse...

KKKKK! Adorei o texto e a estória! Pq vc nunca me contou essa? Por acaso é uma obra de ficção? uahauhauhau!
=***