28 dezembro 2006

Neste pedacinho de chão (foto acima) eu nasci. Por algum acaso do destino, só nasci. Mas sinto que minhas raízes estão fincadas lá por toda vida. A música Último pau-de-arara, gravada por Luiz Gonzaga, descreve bem essa relação com a terra natal:


Enquanto a minha vaquinha
Tiver o couro e o osso
E puder com o chocalho
Pendurado no pescoço
Eu vou ficando por aqui
Que Deus do céu me ajude
Quem sai da terra natal
Em outros cantos não pára
Só deixo o meu cariri
No último pau-de-arara

A profecia não se cumpriu de todo comigo. No primeiro pau-de-arara deixei meu cariri, a época representado por meus pais. Porém em outro canto não páro. Amanhã faço o caminho de volta e, dessa vez, só deixo meu cariri no último pau-de-arara. Pulsos sem relógio, vou à terra onde o tempo parece não passar.

Até mais ver,




26 dezembro 2006

Devolva o Neruda que você me tomou, o resto é seu

O teu riso

Pablo Neruda

"Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito brota da tua alegria,
a repentina onda de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso com os olhos cansados às vezes por ver que a terra não muda, mas ao entrar teu riso sobe ao céu a procurar-me e me abre todas as portas da vida"

A leveza depende de um ambiente propício





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18 dezembro 2006

Drão

Uma das músicas mais lindas que conheço, de uma beleza descomunal, de uma generosidade incomum, principalmente quando falamos do fim de um relacionamento. É o aprendizado de outras formas de amar. O verdadeiro sentido do amor universal, o amor que deve ser doado, que nunca se perde, que se transforma. Gratidão, generosidade mesmo. Passei o final de semana com ela na cabeça, isso me trouxe tanta paz que resolvi publicá-la aqui e dividir essa lição. Vale lembrar a historinha: Gil compôs a música para a ex-mulher Sandra. Chamada de Drão pelos mais queridos, por causa do Sandrão.

Drão o amor da gente é como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar plantar em algum lugar
Ressuscitar no chão nossa semeadura
Quem poderá fazer aquele amor morrer!
Nossa caminhadura
Dura caminhada pela estrada escura

Drão não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão, estende-se, infinito
Imenso monolito, nossa arquitetura
Quem poderá fazer aquele amor morrer!
Nossa caminha dura
Cama de tatame pela vida afora

Drão os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão, não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer aquele amor morrer
Se o amor é como um grão!
Morre, nasce, trigo, vive morre, pão
Drão

14 dezembro 2006

Nunca fui de despedidas

Era uma sexta-feira chuvosa. Na noite anterior ele havia implorado para que eu passasse o final de semana ao seu lado, de pirraça dizia não seguidas vezes - no fundo a minha vontade latejava tanto quanto a dele. Fim de expediente, resolvo ligar.
- Oi, - disse - quero dormir contigo. Mas só ouvi um silêncio do outro lado e um seguido: tum, tum, tum...

Não sei o que pensar, nem há tempo para pensar nada, logo em seguida o meu celular toca, é ele. - Desculpa, estava na frente do Capitão. O que você disse? Respondi repetindo a frase. Ele ria sem parar, foi o bastante. - Me pega no shopping daqui há uma hora! Ele concordou.

Cheguei duas horas e 40 minutos depois de desligar o telefone. Uma amiga carente me pegou para desabafar, não poderia revelar o meu compromisso, ela não aprovaria. O vejo de costas, mãos no bolso, respiro fundo e me aproximo com a cara e coragem. Ele parece que sente a minha aproximação e se vira. Depois do abraço pedi desculpas, ele não se importou, revelou que a única preocupação era com a minha chegada. Não era muito confiável ao marcar compromissos.

Chegamos no seu apartamento já muito tarde, no caminho uma discussão pois ele não havia me revelado que estava de serviço no dia seguinte. Iria embora, mas resolvi ficar. Às cinco da manhã, sonolenta, vejo uma movimentação estranha no quarto. Não dei importância. Ele se levantou, tomou banho, se trocou e saiu. Constatei depois de alguns minutos que realmente estava sozinha na cama. Levanto e me assusto, estou trancada no seu apartamento sozinha.

Voltei para cama, mas não consegui mais dormir. Ele não seria louco de ir trabalhar e me aprisionar em casa. Levantei novamente, percorri o apartamento olhando as mínimos detalhes, nada muito íntimo, cozinha e sala. Tomo banho e vou estudar um material da faculdade, tento me sentir natural naquela situação. Não vejo o tempo passar, quase 8h e ouço passos no corredor. Agora o ouço o barulho das chaves e vejo o trinco da porta rodar. Ri ao vê-lo encharcado quando abriu a porta. Chovia muito. Não ousou me tocar.

Contou que havia ido ao quartel trocar o serviço com alguém, era para se redimir do erro. Preparou açaí para nós, fez lasanha para o almoço. O dia chuvoso passou rápido. Torçemos para que o domingo fosse de sol, queríamos ir a praia. Triste ilusão. O domingo amanheceu cinza. Fui para casa no final da tarde. Estava feliz.

Na segunda troquei o celular e começei em um novo emprego, iniciei uma nova fase da minha vida. Nada de explicações. Passaram-se dois meses e nenhum contato. Resolvi ligar, no dia seguinte era meu aniversário. Percebo o seu susto do outro lado da linha. Expliquei tudo que deveria ter explicado naquele final de semana, as minhas necessidades eram outras. Ele não me perdoou, disse que eu havia bagunçado a sua vida, depois o deixei para arrumar sozinho. Ele ainda catava coisas espalhadas nos sentimentos. Isso doeu em mim. Sabia que não tinha o direito. Avisei do meu aniversário no dia seguinte e passei os meus novos telefones.

Passei o dia todo fora. Ao chegar em casa piscavam mensagens na secretária eletrônica. Ouvi compulsivamente todas na esperança de escutar a sua voz. Chego ao fim e nada, ele realmente não havia me perdoado. Vou até o quarto, guardo bolsa, retiro os sapatos. A consciência pesa, pela primeira vez me arrependi de uma atitude, nessas minhas "brincadeiras" perdi alguém. Volto para sala atravessando a cortina que a separa do outro cômodo. Olho para o telefone, me aproximo, sento no chão sobre o tapete e repasso novamente cada mensagem, agora ouviria com mais atenção. E lá estava ela, o meu melhor presente. Um silêncio inicial, um suspiro e, enfim, ouço a sua voz. A pronúncia do meu nome soa como música para os meus ouvidos. Ele era uma cavalheiro, não deixaria de ligar. Nunca mais nos falamos. As palavras daquela doce ligação ecoaram nos meus ouvidos durante dias, mas não consegui lhe retornar para avisar que iria embora definitivamente, e revelar que este era o real motivo do meu contato.

11 dezembro 2006

Encontro marcado com ninguém

Marquei um encontro com a razão, mas ela vive a se atrasar. Dias, semanas, meses de espera. Confesso que em todo esse tempo não marquei muitos encontros, mas todos foram dolorosos para mim, só pensar em sair de um mundo colorido - que me proporciona tantos sonhos, desejos, prazeres - e partir para o incerto, duro e limitado demais.

Prometo pra mim mesmo, bato pé, tento me isolar de qualquer contato com ela. 'Não. Prefiro o devaneio!', tento me convencer. Mas por meios que não entendo, quase que por osmose ela chega até mim. Insiste que já é hora. Eu concordo em tentar mais um vez. 'Dessa vez não vou me decepcionar!' Quem sabe não será nesta que ela, enfim, chegará na hora marcada?! Marcamos para alguns dias depois do contato. Os dias parecem eternos, até por a ansiedade tirar o meu sono à noite e a minha concentração durante o dia. Minha imaginação é tão concreta que consigo visualizar cada detalhe do encontro. O rosto sério, bem delineado e harmonioso da razão. Seus olhos que me fitam e me explicam coisas de um universo que se abre a minha frente e, ao mesmo tempo, me questionam com arrogância: - Como pode viver tanto tempo sem que me deixasse moldar a sua vida? Nessa hora irei sorrir. Como quem diz: Da mesma forma que o grande mentecapto, Geraldo Viramundo, de Fernando Sabino, viveu.

Chega o dia. Duas horas antes já estou pronta, espero a hora exata de sair. Acenderia uma cigarro, caso fumasse, este daria o tom da minha angústia. A casa ecoa o som dos meus passos no chão de taco que se mistura com o barulho da TV ligada no quarto, não consigo distinguir a programação. Está na hora! Vou até o espelho do banheiro, retoco o batom e saio.

Chego ao local combinado. Ainda faltam 30min! Um vento forte emaranha meus cabelos. Sinto cheiro de chuva, olho para os lados e me deparo com a solidão. Num parque, sem crianças, com poucas árvores e um banco de praça. O nervoso é tanto que enterro o salto alto da sandália no chão de terra. Outra rajada de vento, isso agora me incomoda. Aumenta minha angústia. Olho para o céu. Nuvens negras se movimentavam rápido, parecem ter pressa. Mas enfim, só faltam 3min. Julgo que devo esperar até a hora marcada e depois da sua chegada nos dirigiremos a um ambiente protegido da fúria do tempo. Agora, quando o relógio marca a hora do encontro, olho para os lados ansiosa para finalmente ver o seu rosto.

Essa minha angústia dura exatamente cinco minutos, tempo de cair o primeiro pingo de chuva no meu rosto. Não há tempo para me abrigar. Tudo parece um plano engendrado para lavar a minha cara, desbotar mais uma vez as cores da minha vida. Sim, a tinta é guache, mas não é frágil por isso. Muito pelo contrário, é estratégica. Não é como a tinta óleo, resistente, dura, difícil de manusear. Com a guache posso me renovar sempre que quiser. Voltar a colorir sem muito transtorno, mudar as cores e os cenários.

A razão faltou ao encontro novamente. Talvez amanhã o telefone toque, como de outras vezes, ela pedirá sinceras desculpas, que virão acompanhadas de argumentos plausíveis para atitudes não justificáveis. A razão vive presa a uma realidade cruel, descarnada... por isso ela judia da minha angústia, da minha longa espera, julga que isso não é coisa séria. No fundo ela acha que o tempo da minha espera é o tempo necessário para o meu amadurecimento, para que eu possa, enfim, acertar os meus ponteiros aos seus.

Mas o bom senso da razão não a deixa enganar, ela sabe que não pode pautar a vida da fantasia, embora uma não viva sem a outra. Marquei um encontro com a razão, mas ela vive a se atrasar...

08 dezembro 2006

Guerra

Uma pessoa que vive motivada pela beleza da vida e pela grandeza das pessoas, tem o fio condutor da sua existência forçado a se partir quando se depara com pessoas medíocres. É como encontrar-se em um caminho estreito, quase sem saída, num labirinto, com um mostro de duas cabeças.

Na metáfora, um mostro de duas cabeças pensa muito, é muito inteligente, mas os conflitos são tantos que eles não conseguem viver em harmonia com o próprio corpo. E ficam pelos caminhos da vida tentando se entender, se matando aos poucos e esbarrando nas pessoas que, por algum motivo, encontram pelos caminhos das suas vidas, forçando-as a entrar numa luta, na qual elas nada ganharão.

E, nesses encontros e desencontros, tento me esquivar, sair o mais ilesa possível, dentro das possibilidades que me permitem. Sei que vou carregar na bagagem cicatrizes desses conflitos que enfrentei para sobreviver, o tempo vai se encarregar de apagar algumas, mas outras estarão sempre visíveis a quem queira enxergar.

Sei que algumas vezes eu mesma vou entrar em batalhas, mas entrarei armada, pronta para guerra! Mesmo que na bainha da minha espada só tenha um bocadinho de razão que acumulei no caminho. Terei orgulho dessas minhas batalhas, independente do resultado final.

Em outras eu serei jogada ao acaso, sem precedentes, sem motivos. Como se passasse na frente de um estádio e um dos lutadores deixasse a arena, saísse correndo até a rua, pegasse a primeira pessoa que encontrasse lá fora e voltasse com ela para a arena como um motivo para reanimar a disputa. Nessas tenho certeza que sairei muito ferida, afinal, o circo já está armado e para os que estão de fora, tudo faz parte do espetáculo, e eu deveria ter motivos para estar ali, logo mereço apanhar.