29 dezembro 2008

A viagem de Santo Antônio

Santo Antônio, certa vez, escreveu que quando foi para o deserto fazer um retiro de silêncio foi acometido por todo tipo de visão – tanto demônios quanto anjos. Disse que, em sua solidão, algumas vezes encontrou demônios que pareciam anjos , e outras vezes encontrou anjos que pareciam demônios. Quando lhe perguntaram como ele sabia a diferença, o santo respondeu que só se podia dizer quem é quem com base na sensação que se tem depois que criatura foi embora. Se você ficar arrasado, disse ele, então foi um demônio que veio visitá-lo. Se você se sentir mais leve, foi um anjo.

"Comer, Rezar e Amar" no finalzinho de 2008, um ano de muitas tentações.

Lubrificante

É claro que aprendo com a vida, mas é, sobretudo, com a leitura que mais retenho conhecimento, ainda mais quando escrevo. Acredito sim na capacidade de conhecimento sem leitura, sem estudo, sem filosofar, mas acredito com mais convicção que o conhecimento teórico registrado, pensado e discutido por tantos cérebros brilhantes, que hoje absorvemos com tanta facilidade, é um verdadeiro lubrificante para a vida.

Céu ou inferno?

Talvez outras pessoas tenham o mesmo pensamento, mas não o contemplem desta maneira. Li um livro em que um xamã de Bali descrevia idas ao céu e ao inferno. Me surpreendi com sua revelação de que, exceto pela viagem, ambos lugares são iguais. É, isso mesmo, não há diferença entre o céu e o inferno. Fazemos parte de um grande ciclo de purificação, e quando atingimos a elevação espiritual necessária, somos sugados e finalmente nos fundimos ao universo. Seja isso o céu ou o inferno, a diferença será a viagem que você realizou, escolhida necessariamente por você. A ida para o céu é feliz, enquanto a para o inferno, triste e sofrível. Mas o fim sempre será o mesmo.

31 outubro 2008

Todo sono que essa vida dá

Esta noite, estilhacei a minha coragem contra um muro de concreto. Reuni toda ela, insuflei o peito e apostei a chance de ultrapassá-lo. O resultado é uma dor visceral que sinto neste momento. A cabeça parece pesar mais do que consigo suportar e o coração não deve estar maior que uma ameixa-seca.

Fica o embargo na garganta, de quem não conseguiu dizer tudo, nem terá outra ocasião. Ainda permanecerá por muito a difícil tarefa de esconder a cara de derrota para os queridos e as feridas expostas de uma luta comigo mesmo, travada durante meses.

De volta pra casa, a vontade de pouca conversa e a discrição de ir para cama muito antes do comum. E lá, se encolher como um caracol, habitar o interior do meu interior e aceitar o abraço do edredom com um olhar um pouco assustado e certo medo de viver.

Esperar que o sono seja profundo e a noite longa, mas ao amanhecer, que o tempo passe logo, para que eu possa voltar novamente para o mundo dos sonhos, onde estou segura de mim mesmo.

15 outubro 2008

Compasso

(Ricardo MacCord / Angela Ro Rô)

É o que pulsa o meu sangue quente
É o que faz meu animal ser gente
É o meu compasso mais civilizado e controlado

Estou deixando o ar me respirar
Bebendo água pra lubrificar
Mirando a mente em algo producente
Meu alvo é a paz

Vou carregar de tudo vida afora
Marcas de amor, de luto e espora
Deixo alegria e dor ao ir embora

Amo a vida a cada segundo
Pois pra viver eu transformei meu mundo
Abro feliz o peito
É meu direito!

14 outubro 2008

Lenda

A cachoeira parecia se espremer naquela manhã. Queria derramar todas aquelas águas que amargavam as margens do rio. Uniu tanta força que quase causou uma tromba d’água lá embaixo. Porém a sábia natureza deu um jeito de se arrumar rapidinho. Pelo menos lá por baixo, o grande volume de água de dispersou ligeiro, escorreu pelos riozinhos e fez a alegria de algumas comunidades que viam correr nos últimos dias líquido turvo e fraco, nem mais se podia chamar de água.

Não é nada, não é nada... e já brota das nascentes também nova força para embelezar a cachoeira. Não demorou uma semana e as plantas já sorriam, as flores estavam mais vivas e as frutas com mais viço.

Não demora também dos namorados voltarem a se banhar por lá. A moça diz que a pele fica mais macia e o rapaz fica todo empolgado com as maravilhas para a virilidade.

Ninguém sabe explicar porque as águas se amargaram de um dia pro outro, reza lenda que foi um desamor, ora, mas estão sempre a causar o dissabor.

28 setembro 2008

Guardião de memórias

Aquela foto nos revelou: distantes, desconhecidos, embora, amantes.
Mãos entre as pernas, sorriso constrangido, nem parece marido.
O coração bate forte, é o medo do flash.
O guardião de memórias não revelou, porém, o ciúme.
Escancarado com a implicância incomum.
Não revelou o carinho apertando a mão, apertava o peito também.
Não revelou a vontade de estar perto.
Não revelaria a vontade de dizer que ama demais aquela companhia.
Que no dia seguinte o telefone tocaria.
E, sem pensar, ambos se entregariam ao carinho dos abraços.
Sem saber quando seria a próxima vez.
Por isso, se amariam como se fosse a última.
Nestes encontros, alguém sempre quer colocar o ponto final:
Nas angústias, medos, fofocas, dores...
Alguém sempre quer mais prazer.
É uma relação desigual, ambos sabem.
Mas falar pra quê?
Materializar jamais.
Deixemos as dores noutros quartos.
Não num quarto de motel.

22 setembro 2008

Amarra o teu arado a uma estrela

Gil

Se os frutos produzidos pela terra
Ainda não são
Tão doces e polpudos quanto as peras
Da tua ilusão
Amarra o teu arado a uma estrela
E os tempos darão
Safras e safras de sonhos
Quilos e quilos de amor
Noutros planetas risonhos
Outras espécies de dor

Se os campos cultivados neste mundo
São duros demais
E os solos assolados pela guerra
Não produzem a paz
Amarra o teu arado a uma estrela
E aí tu serás
O lavrador louco dos astros
O camponês solto nos céus
E quanto mais longe da terra
Tanto mais longe de Deus

19 setembro 2008

Dedilhar as costas, massagear os pés, morder as pernas, abraçar apertado, olhar com os olhos fechados

- Respira...respira...

04 setembro 2008

Castelos

A saudade hoje chegou bem cedo, antes mesmo do café e do jornal. Pensei em você e senti nosso cheiro no ar. Sua voz, quase real, me chamou e repetiu, baixinho, palavras que me fizeram estremecer. O vazio gelado me trouxe, então, a vontade louca de correr para você.

Incitando minha agonia, as horas quase correram para trás. Dei mais corda no velho relógio da sala, na tentativa frustrada de fazer acelerar o dia. Por fim, venci o tempo, os contra tempos, desintegrei minha decência, abri portas que não devia e destruí paredes para estar ao seu lado.

A intenção era surpreender e bati de frente com a realidade: você não me esperava. Então me dei conta de que sua vida segue sem mim. Voltei os quilômetros percorridos com um bolinho nas amídalas e a certeza de que os castelos imaginados são bem mais coloridos que os de verdade.

É! Talvez não deva mais construir castelos. Mas se um dia voltar a fazê-lo, cuidarei para usar menos lápis de cor.

Ju


* Uma homenagem a sumida Ju, que escreve com honestidade os pensamentos femininos. E com este texto expressa os meus.

31 agosto 2008

Katrina

O rímel avolumava os cílios quando os primeiros pingos fizeram barulho no telhado. Era a chuva que dava o ar da graça depois de meses. É de se festejar. Corre pro jardim e já havia outros pulando também. – Viva! Mas não durou muito. Foi só um sinal de que a natureza não falha. Já chega o Sr. Setembro trazendo as chuvas, as tempestades, as roupas molhadas dentro de casa e a saudade do sol. Virá também o sono bom com o barulho do vento na janela e o doce cheiro de terra molhada.

29 agosto 2008

“Ouvia gabar os beijos,
Dizer deles tanto bem,
Que me nasceram desejos
De provar alguns também.
Essa fruta não é rara,
Mas nem toda tem valor,
A melhor é muito cara
E a barata é sem sabor.”

Júlio Dinis

28 agosto 2008

de passagem

Hoje acordei com vontade de ter em mãos baldes de tinta. Todas guache, é claro. Observei que meus cenários tem cores muito densas. Há muita seriedade. É trabalho. É família. É estudo. Mas também é medo. Mas também é tristeza. Quem sabe mais lilás, quem sabe verde-cana? Rosa?... faz tempo que não uso.
Saudade, ah essa bandida! "Deixa a gente comovido como o diabo"

Vai passar, vai passar...

Sempre

"Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."


Clarice Lispector

13 agosto 2008

Desassossego

Esta noite, quando as cortinas dos meus olhos se fecharam, meu coração tentou suspirar baixinho. Inútil tentativa de querer me fazer dormir. Vou ficar acordada quantas horas for necessário. Vigiando-te. Vou entrar embaixo do meu cobertor e simular de novo um ambiente só nosso. Vou ver mais uma vez a cortina do quarto se fechar. O sol da tarde lá fora denunciar que o dia segue seu curso. Inspirar fundo a cada abraço seu. Debaixo do cobertor, minha respiração vai esquentar meus pensamentos. Que por fim, afagará meu generoso coração, pra ele sim, dormir sossegado.

05 agosto 2008

Ela sempre vem...


Uma ventania estranha balançou hoje as cortinas da minha janela. Ela tinha um cheiro familiar, era a Mudança que anunciava sua chegada. Meu corpo estava dolorido e a mente um pouco tonta, mas não deixei de reconhecê-la.

Alguns instantes depois, percebi a sua presença já nos meus aposentos e a vi vasculhar minhas memórias, minhas esperanças, minhas tristezas, também as minhas dores, guardadas junto com os amores. Vi também sua elegância em não mexer no baú dos meus sonhos, estava apreensiva com a sua aproximação dele. Mas ela olhou por fora e o viu tão bem enfeitado, colorido, que acredito que ponderou que estava tudo certo com ele.

Dessa vez resolvi não interferir. Pra quê? Deixa ela levar embora o que é necessário. Quebrar algumas coisas, consertar outras, ela e o tempo são expert nisso. Da última vez que tentei imterrompe-la só perdi dias valiosos da minha vida, sem nada a aprender. Fiquei ali, mastigando aqueles velhos frutos que já não valiam de nada. Já tinham perdido o viço e o sabor.

Ela foi até rápida. Voltou rápido também desde a última visita. Essa mudança tá cada dia mais presente. É assim nessa fase da vida? Que fase estou?
- Ei, ei... volta aqui! Não me deixa sem resposta. (Pulei mais que depressa da cama).
E as cortinas já balançavam novamente com a ventania que ela provoca por onde passa.

15 julho 2008

Desde de então

Desde que meu olhar encontrou você atrás daquela porta,
Desde que você me descobriu com o sopro da sua ventania,
Desde que suas mãos tocaram meu corpo,
Há uma brasa queimando incessantemente dentro de mim.

14 julho 2008

Tic-tac

Faz muito frio debaixo do meu coberto este julho de inverno. As manhãs têm marcado 7° graus, e a preguiça tem registrado presença.

Enquanto isso, a sua coxa sobre as minhas costas tem sido apenas lembranças distantes. Devo registrar mais esses momentos, quem sabe assim, minha mente te retém um pouco mais.

É tudo tão rápido, o vento sopra, eu olho pra trás e shuuuuuuuuuuuuuuuaaaa... as folhas varrem você de mim. E já, já preciso urgentemente de outra dose de você.

29 junho 2008

Sinal vermelho

Ainda sob o tormento da sua falta, tomei uma decisão que já doía mesmo antes de suas conseqüências. Quero que você saia da minha vida. É, dessa forma mesmo, você está ocupando muito espaço. Não quero mais lembrar o seu cheiro, nem o ritmo da sua respiração. Quero que minha imagem desocupe seus olhos... e todas as suas memórias desocupem meu coração. Tudo isso está me causando calafrios no estomago.

Tem gente que reclama das escolhas, mas sabe, depois de ter de renunciar a você, tenho achado fichinha escolher para onde seguir. Problema mesmo é deixar alguns mimos pelo caminho. Seguir em frente carece de dar passos. Tudo bem, isso parece muito óbvio, mas você me deixa congelada no tempo.

Final de domingo, junho de 2008.

30 maio 2008

Copo cheio

Distante demais, agora. Naquele aeroporto de uma capital qualquer do litoral, o coração estava congelado numa mesa de bar no meio do cerrado. Mesa extensa, gente por todos os lados, eu querendo só o seu afago. Tanto que me mantive distante até no olhar, para não denunciar, estava transbordando de tanto te amar.

Cadê a brasa dos teus olhos?

Demasiadamente longe, mesmo perto.
Longe acompanha com o olhar, o ciúme não revela. Ao contrário, provoca.
Erra bonito. Desperta sentimentos pequenos, desperta uma avaliação superior.
Seria bem mais fácil estar do meu lado.
Que olhar é este? Cadê aquela chama que me iluminava?
Agora sinto a frieza, o distanciamento e a chama do ciúme.
Tenho culpa, bem sei.
Por não te amar como precisas.
Mas antes erra você, que não deixa.
Amor, amor... vi a nossa foto.
Estavámos lindos, mas você não estava lá.
... queria que fosse possível.
Dormir todos os dias no aconchego dos seus braços.
Queria te ter todo dia, isso você já sabia?
Vai, escuta direito: É ai!
Essa dor que machuca meu peito.
Devagar.
- Tá, Lê. Bem devarinho.



Brasília, sábado cinza de abril, 2008.

08 maio 2008

Todos traem

O elegante atrai
O dissimulado distrai
O tímido retrai
O safado subtrai
O curioso extrai
O reprimido contrai
O deslocado abstrai
O alegre descontrai

De um modo ou de outro, todos traímos

Às vezes sem querer
outras pelo crime

Às vezes sem saber
outras descobrimos

Às vezes sem prazer
outras é sublime

Alessandro Uccello

Sem palavras



"Já que nao fazer nada, mas carregar bolsas de grife e cachorrinhos feios é o suficiente para conseguir uma capa de revista, vale a pena tentar isso com pessoas que realmente merecem e precisam de atençao".
Plesner


A artista Nadia Plesner criou esta imagem e estampou em camisetas e posters como uma forma de chamar atençao para a fome e o genocidio em Darfur, na Africa. Ela virou alvo de um processo aberto pela grife de luxo Louis Vuitton. A marca nao gostou de ver uma bolsa sua reproduzida no trabalho de Plesner. A imagem de um menino africano carregando um cachorrinho no colo e uma bolsa pendurada no braço é uma critica à atençao que a midia dá a celebridades.
Informações do Blue Bus

04 maio 2008

Uma borboleta no meu banheiro

Há dias atrás me deparei com uma lagarta no meu banheiro...eca! Iria matá-la, claro, que coisa nojenta são os lagartos, quando não agressivos. Mas fiquei tão entretida e a acompanhei com os olhos deslizar pelo piso e repousar na porta. Logo no pezinho da porta.
Horas depois ela continuava lá, parada, imóvel no mesmo lugar. Ainda pensei em tirá-la dali, mas desistia sempre depois de pensar na logística. Dias se passaram, até esqueci, estava quase camuflada da cor da porta. Ixi! Secou e morreu, mas ainda a preguiça de desistituí-la do túmulo, afinal era a minha porta. E não é que, neste domingo, uma borboleta nasceu no meu banheiro! Fantástico!
Lá estava ela linda e verde ao lado do casulo. Fiquei encantada é claro, uma vida se transformou ali, bem diante de qualquer olhar atento. Pensar que isto acontece a todo instante, pensar que também nós, meninas, passamos pela mesma metamorfose e nos tornamos lindamente mulheres... Pensar que ainda assim tantas pessoas perdem este espetáculo...

02 maio 2008

Ideal ou possível

Há um certo tempo tenho feito escolhas possíveis, com muita loucura nessas escolhas. Racionais e emocionalmente empatadas... e isso é totalmente real. No momento que determino que não criarei falsas espectativas, nem encherei a minha cuca de paranóias... vivo dias muito pertos da perfeição.

P.S: Feriado na quinta, depois do filme e antes do Boliche. O filme? Claro. Cidade do Anjos.

07 abril 2008

Sobre a paixão - I


"Paixão é uma infinidade de ilusões que serve de analgésico para a alma. As paixões são como ventanias que enfurnam as velas dos navios, fazendo-os navegar; outras vezes podem fazê-los naufragar, mas se não fossem elas, não haveriam viagens nem aventuras nem novas descobertas."

Voltaire

28 março 2008

Hoje acordei embreagada, amor.
Seu cheiro ainda percorria minhas veias. Como pode? Questionava-me.
Uma leve dor de cabeça, eram muitos flashs de emoção.

Brasília, tarde nublada, 28 de março.

17 março 2008

Clemência

Vou pedir para te amar.
Baixinho, na penumbra.
Quero ver-te melhor pelas mãos.
Assim não errarei a precisão.

Vou pedir que me ame também.
De bom grado e bom coração,
erra o caminho não.

Vou pedir ainda um favor,
Atenda-me com todo calor,
Que nas veias pulsem vida,
Que no coração seja pungente o amor.

Bilhete

Quintana
Se tu me amas,
ama-me baixinho.

Não o grites de cima
dos telhados,
deixa em paz os passarinhos.

Deixa em paz a mim!

Se me queres,
enfim,

tem de ser bem devagarinho,
amada,

que a vida é breve,
e o amor
mais breve ainda.

16 março 2008

Querência


É dessa saudade que quero falar.
Desta procura desesperada pelos corredores da memória.
Te busco em cada instante caído e te acho em cada poema lido.
Mesmo distante sou capaz de ver cada passo, cada sorriso, mãos, olhares, bocas...
Conheço-te mais que tu mesmo.
Isso porque te observo enquanto reparas outros,
percebo seus risos, caras de bravo, de feliz, de indiferente, de desejo, de prazer.
Sei até do teu medo, tua carência e essa tua cara de inocência...
mesmo quando não há nada de inocente em você.
É muita querência, bem sei.
Querer-te bem de manhã, tarde e noite – principalmente- madrugada.
Tarde nem se fala. Cheiro, chuva, fome, chocolate, mãos e beijos.
Tardes dos desejos que me trazes,
Mas tarde, muito tarde, querido,
Vou dormir sem você.

14 março 2008

Congelou

Te vi mais uma vez. Estava lá. Caindo daquela montanha. Num instante qualquer. Um flash sobrou na minha mémoria.

Diário de bordo

Enquanto isso, aqui na Terra nossa humanidade é apaixonada pelas ínfimas diferenças que tornam cada presença peculiar e única, ao passo que, tudo que nos é semelhante e comum ganha de goleada. Para quem gosta de argumentos físicos, isto se revela em que, geneticamente, 99,9% dos genes são iguais em todos nós, e só 0,1% diferente. Nós queremos que nos entendam e aceitem por esta ínfima porcentagem, e mais, queremos que este entendimento signifique que a pequena diferença seja universalizada, tornando-se dominante e, assim, com plena satisfação passamos a vida promovendo nada além de nós mesmos. Enquanto isso, a Vida produz a si mesma, nos usando como testemunhas. Vida é a testemunha, Vida é o testemunhado, e Vida, também é o próprio ato de testemunhar.

Quiroga

10 março 2008

Amigos, um pouco de Quintana para adoçar a semana...

"No fim, tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas que o vento não conseguiu levar: um estribilho antigo, um carinho no momento preciso, o folhear de um livro de poemas, o cheiro que tinha um dia o próprio vento..."

Mário Quintana

05 março 2008

Timidez

Cecília Meireles



Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

— mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...

— palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

— que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...

— e um dia me acabarei.

04 março 2008

Paixão

Coração cansado de voar pelo vasto campo da liberdade.
Queira ele se aprisionar um pouco nas jaulas da paixão.
Oh, dor que causa estas grades.
Parecem feitas de aço, mas não passam é um material volátil.
Evopora com tempo.
Hummm...
Forte, porém efêmera. Assim é a paixão?
E quanto tempo dura?
É fenômeno do cérebro?
O que acontece depois?
Onde armazenar tanta energia fabricada por este sentimento tão intenso, verdadeiro, humano?
É a paixão o sentimento mais humano?
Então precisamos sublimar a paixão para evoluir, é isso?
A paixão é um sentimento egoísta.
Acho que também não tenho certeza disso.
Ela parece tão generosa...

03 março 2008

Casa da Montanha

Agosto de 2007

Assim como as cachoeiras mais belas, a casa era de difícil acesso. Ao longo do caminho erramos várias vezes o endereço. A referência era um mapa rabiscado no papel. Embora várias tentativas frustradas, o nervosismo não vencia a alegria de estar a poucos minutos de nos hospedarmos na Casa da Montanha, como se chamava, fácil de adivinhar o porquê. Depois de optarmos várias vezes pelo lado errado da bifurcação, encontramos a casa numa rua sem saída. A placa pendurada a identificava pelo nome.

O visual era de arrepiar. Seria inútil tentar descrever. Do alto daquela montanha, ficamos deslumbrados com tantas outras montanhas e pouquíssimas casas. Descemos as escadas e o teor das nossas escassas frases eram exclamações.

A lareira no meio da sala, com certeza fazia parte do imaginário de todos nós, não pensei duas vezes: corri para acendê-la. Alguém tentou me ajudar, mas logo foi repreendido pelo terceiro: - Deixa ela curtir isso! Essa era a minha única onda.

O cheiro revelava limpeza recente, foi preparada para nos receber.

Decoração rústica, móveis de madeira. Uma enorme cômoda ficava no canto da sala. Abri gaveta por gaveta. E lá, na última, o tesouro... discos de vinil. O repertório não podia não podia ser melhor. De Bethoven a Chico Buarque. Não precisavámos de mais nada. Ainda bem que a televisão antiga estava quebrada.

E assim habitamos por dias aquela casinha. Estávamos juntos: na hora de dormir, na hora de acordar, de tomar café ou de comer founde de chocolate, este não tinha horário. Mas, mesmo unidos, também contemplamos a solidão. Preservávamos a individualidade. A casa tinha tanto silêncio que éramos capazes de ouvir o silêncio do outro e compartilhávamos este momento, pois era bom.

A Casa da Montanha ficava ao lado da casa da Branca de Neve e dos Sete Anões. E assim, como num conto de fadas, sentíamos no ar e no coração o amor que habitava aquele lar. O riso fluía fácil, assim como o companheirismo, a generosidade e o carinho. Quem ali viveu foi feliz, quem por ali passou, viveu dias indescritíveis. Tudo ali soa poesia, porém não me arrisco a tentar juntar estrofes.

Fora a saudade, guardamos de lembrança a certeza de que devolvemos tanto amor quanto recebemos daquele lar e que a próxima pessoa que abrir aquela porteira, sentirá - tanto quanto nós - uma brisa leve no rosto que fará lembrar um doce beijo de um querido.

A verdade

"Não se acolhe a verdade na vida, como quem engaiola uma ave na floresta. A verdade é luz. Somente o coração alimentado de amor e o cérebro enriquecido de sabedoria podem reflitir-lhe a grandeza".

Imanuel

28 fevereiro 2008

Doce Veneno

Eu poderia simplesmente que não estou a sua disposição.


Mas é só isso? Não, tem muito mais. Como poderia resumir o desassossego que sua presença me causa. Explicar que a paz que você me tira é essencial para eu viver, quero dizer que me tiras um pouquinho de vida, entende?! Ai... como é bom morrer de vez em quando. O que fazer com este vício que despertas em mim? Não há antídoto? Hummm, será que o remédio é tão bom quanto o vício?

30 janeiro 2008

Não volte

Eu sempre vou pedir, ainda que não queira de verdade...
Pedir que se retire da minha vida, levando consigo todos os papéis de parede que estampou na minha memória. Chega de passear por aqui retocando cada beijo, cada cheiro e carinho... para que nunca sofram com os efeitos do tempo. Carregue também aquela velha vitrola - que não cansa de tocar velhas canções de amor, com todo aquele chiado que lhe é familiar. Na saída, diminua o volume das ondas do mar, elas já não terão graça sem você aqui.
Não me faça mais perguntas íntimas, o meu constragimento parece aumentar o seu poder sobre minhas emoções. Também não seja simpático com as minhas amigas, elas não carecem do seu sorriso. Queira por favor comunicar aos seus pais que não mas habita a minha casa, trate de passar-lhes outro telefone. Na semana posterior, quando já tiver superado a sua ausência, colocarei um novo anúncio no jornal... PROCURA-SE UM AMOR QUE NÃO DESPERTE O AMOR!