10 outubro 2006

Quixote solitário

(*Tudo pela educação)

No fim destas férias trouxemos para casa uma bagagem a mais. Na realidade foi um investimento e o custo inicial não foi muito caro, porém o posterior, este sim vai ser caro. A adaptação desta a ordem da casa não vai ser fácil e, nem a nossa, aos seus costumes. O grande problema é o estado bruto que este se encontra, ou melhor esta. Trata-se de uma garota de treze anos e o maior investimento que poderemos fazer é educação, não para nós, e sim, para ela própria.

Preocupada em ocupar o mais rápido possível o tempo dela com algo útil, a matriculei em um curso de inglês. Qual não foi a minha surpresa ao informar a minha mãe a minha decisão e ouvi uma resposta desestimulante: - Para que curso de inglês se ela mal fala o português? Tínhamos chegado ao ponto crucial. Era fácil constatar que esta era uma realidade. Como é que nós vamos resolver o "pobrema" desta 5° série muito mal feita?! Mas onde está o problema? Nos alunos ou na educação?! Neste momento caímos no velho ponto comum de que a educação brasileira é muito ruim. Mas, como sabemos, ser engenheiro de obra pronta é muito fácil! Ou seja, é muito fácil criticar e nunca mover uma palha para melhorar.

Frustada por já ter investido o dinheiro, comecei a refletir uns minutos. Lembrei-me de que a maior motivação que tive ao matriculá-la no curso, não foi só o aprendizado da nova língua, e sim, o aprendizado de ser gente. Criada em um ambiente que mistura amor e ignorância, educação e hostilidade, a garota tem a auto-estima muito baixa e as poucas palavras que saem da sua boca geralmente são críticas. Talvez a proximidade com uma cultura totalmente nova possa estimular a sua sensibilidade e a faça se sentir melhor perante a sociedade.

Talvez daqui há algum tempo ela volte para a Bahia, mais precisamente para Itaparica (Para quem não conhece, uma ilha paradisíaca que fica em frente a Salvador, onde há uma segregação social absurda. Na pequena ilha, com a população menor que a do bairro de Copacabana, acho que de 15 mil habitantes, miséria e riqueza convivem harmoniosamente em um cenário de beleza natural invejável.) E, talvez, alguém pense que teria sido muito mais proveitoso para ela ter feito algum curso profissionalizante e, aí sim, isto seria garantia de emprego. Mas resolvi ser mais ousada e investir em educação.

Isto me lembra uma velha história de um professor de antropologia que levou os seus alunos a uma área muito pobre e os pediu que fizessem um trabalho de avaliação sobre o futuro dos jovens desta comunidade. Em todos os casos, os alunos escreveram: " Eles não têm nenhuma chance". Talvez este fosse o caso de Itaparica, atualmente, e para mudar este cenário, que se repete em tantas outras cidades brasileiras, não é necessário conduzir os jovens pelas mãos e os tirar daquele local, e sim, investir em cultura, educação, incentivar a sensibilidade para que eles possam enxergar a realidade a sua volta. E quem sabe, dessa forma, não teríamos naquele pequeno município, daqui a algum tempo, advogados, arquitetos, médicos, engenheiros e talvez, por azar, algum jornalista.


* Este texto foi escrito por mim há algum tempo, não lembro exatamente quanto tempo, acho que quase dois anos, um ano e meio talvez. O fiz por obrigação, tudo bem... um pouquinho de inspiração. Era uma tarefa de faculdade. Daquelas que o professor passa, você enrola, enrola e na véspera lembra que tem que entregar porque vale nota. Sentei na frente do computador e saiu essa crônica acima. Não está das melhores, mas reflete uma das minhas muitas preocupações. É muito triste pensar que algumas pessoas nascem subjulgadas por outras e serão, por uma vida inteira, alçadas às margens da sociedade sem muita alternativa de vida. Assim como poucos quixotes, que pregam sozinhos por este Brasil afora, eu também acredito que a chave dos nossos problemas está na educação.

5 comentários:

Anônimo disse...

A educação é um instrumento fundamental para conseguir a tal socialização. A educação não é apenas conteúdos específicos ensinados em instituições escolares. Veja a educação proporcionada para a sociedade indígenas e de quilombolas, são maneiras de socialização diferente da sociedade capitalista, porém é ensinamento. Hegel diz que a educação é a liberdade; a formação de conceito. Na verdade a educação é a preservação da moral dentro de uma sociedade, como: não matar, respeitar as leis de cada sociedade e principalmente seguir as regras dos princípios religiosos da sua sociedade. Sejamos educados para respeitar a educação do outro.

Anônimo disse...

Eu também acredito que é fundamental o investimento em educação.
Ótimo texto!
Bjos.

Anônimo disse...

Esse é o grande problema do nosso país. Mas é também o trunfo dos nossos governantes: "educar? Pra que? Está bom assim..."

Linda crônica, Letícia. Você está melhor a cada dia.

Beijos,

Ju

Anônimo disse...

Educação é acompanhada de investimento. O investimento acontece por causa do desenvolvimento. Mas no meio de tudo isso está o ser humano. O político para sermos mais específicos. Aquele que decide ao seu bel prazer os destinos dos outros, quando na verdade os outros que deveriam escolher os seus destinos.

O Cristovam fala de uma revolução pela educação, mas não aponta o caminho para isso. A solução para os males brasileiros, em teoria, não é complicada. O difícil é todo mundo entrar em um consenso para torná-la real.

Bjocas pra ti!!!!!!

Letícia Alcântara disse...

Renatinho,

As pessoas poderíam escolher os seus destinos se tivessem uma base mínima para tal. O que sabemos que não acontece. Alguns já nascem condenados sob todas as formas de exclusão e, no meu ver, a pior delas é ser privado da educação.