11 dezembro 2006

Encontro marcado com ninguém

Marquei um encontro com a razão, mas ela vive a se atrasar. Dias, semanas, meses de espera. Confesso que em todo esse tempo não marquei muitos encontros, mas todos foram dolorosos para mim, só pensar em sair de um mundo colorido - que me proporciona tantos sonhos, desejos, prazeres - e partir para o incerto, duro e limitado demais.

Prometo pra mim mesmo, bato pé, tento me isolar de qualquer contato com ela. 'Não. Prefiro o devaneio!', tento me convencer. Mas por meios que não entendo, quase que por osmose ela chega até mim. Insiste que já é hora. Eu concordo em tentar mais um vez. 'Dessa vez não vou me decepcionar!' Quem sabe não será nesta que ela, enfim, chegará na hora marcada?! Marcamos para alguns dias depois do contato. Os dias parecem eternos, até por a ansiedade tirar o meu sono à noite e a minha concentração durante o dia. Minha imaginação é tão concreta que consigo visualizar cada detalhe do encontro. O rosto sério, bem delineado e harmonioso da razão. Seus olhos que me fitam e me explicam coisas de um universo que se abre a minha frente e, ao mesmo tempo, me questionam com arrogância: - Como pode viver tanto tempo sem que me deixasse moldar a sua vida? Nessa hora irei sorrir. Como quem diz: Da mesma forma que o grande mentecapto, Geraldo Viramundo, de Fernando Sabino, viveu.

Chega o dia. Duas horas antes já estou pronta, espero a hora exata de sair. Acenderia uma cigarro, caso fumasse, este daria o tom da minha angústia. A casa ecoa o som dos meus passos no chão de taco que se mistura com o barulho da TV ligada no quarto, não consigo distinguir a programação. Está na hora! Vou até o espelho do banheiro, retoco o batom e saio.

Chego ao local combinado. Ainda faltam 30min! Um vento forte emaranha meus cabelos. Sinto cheiro de chuva, olho para os lados e me deparo com a solidão. Num parque, sem crianças, com poucas árvores e um banco de praça. O nervoso é tanto que enterro o salto alto da sandália no chão de terra. Outra rajada de vento, isso agora me incomoda. Aumenta minha angústia. Olho para o céu. Nuvens negras se movimentavam rápido, parecem ter pressa. Mas enfim, só faltam 3min. Julgo que devo esperar até a hora marcada e depois da sua chegada nos dirigiremos a um ambiente protegido da fúria do tempo. Agora, quando o relógio marca a hora do encontro, olho para os lados ansiosa para finalmente ver o seu rosto.

Essa minha angústia dura exatamente cinco minutos, tempo de cair o primeiro pingo de chuva no meu rosto. Não há tempo para me abrigar. Tudo parece um plano engendrado para lavar a minha cara, desbotar mais uma vez as cores da minha vida. Sim, a tinta é guache, mas não é frágil por isso. Muito pelo contrário, é estratégica. Não é como a tinta óleo, resistente, dura, difícil de manusear. Com a guache posso me renovar sempre que quiser. Voltar a colorir sem muito transtorno, mudar as cores e os cenários.

A razão faltou ao encontro novamente. Talvez amanhã o telefone toque, como de outras vezes, ela pedirá sinceras desculpas, que virão acompanhadas de argumentos plausíveis para atitudes não justificáveis. A razão vive presa a uma realidade cruel, descarnada... por isso ela judia da minha angústia, da minha longa espera, julga que isso não é coisa séria. No fundo ela acha que o tempo da minha espera é o tempo necessário para o meu amadurecimento, para que eu possa, enfim, acertar os meus ponteiros aos seus.

Mas o bom senso da razão não a deixa enganar, ela sabe que não pode pautar a vida da fantasia, embora uma não viva sem a outra. Marquei um encontro com a razão, mas ela vive a se atrasar...

2 comentários:

Anônimo disse...

À filha do Sub-oficial,

"O Encontro com a Razão dá um curta maravilhoso"

Na minha cabeça uma mulher está dormindo vestindo uma fantasia, pode ser de carnaval, ou uma roupa de guerra, na caso de uma prostituta. O relógio toca, ela acorda, e faz todo o ritual que você descreve no texto. Vai para o parque encontrar com a razão, há todo aquilo clima de expectativa e angústia. Cai a maior chuva e a personagem fica parada no meio da chuva frustrada, enquanto sobe texto : Marquei Encontro com a Razão, Mas Ela Teima em se Atrasar.

(uma trilha sonora adeqüada e você estará fazenda poesia no audiovisual)

Ass: Patrícia



The End

Anônimo disse...

Oi, amiga! Fazia tempo que não entrava aqui. Lindo texto ;)