15 setembro 2006

Quem tem medo do Lobo Mau?!

Adoro revelar o outro lado das coisas. E eis uma coisa que sempre existe, uma outra versão da história. Agora, se existe uma falsa e outra verdadeira.... Há algum tempo ouvi uma outra versão do conto da Chapeuzinho Vermelho, estória essa, eternizada pelos irmãos Grimm. Mas a versão que eu ouvi tem um final bem diferente da versão dos irmãos. Esta outra versão é de Charles Perrault, segue abaixo:

Certo dia, a mãe de uma menina mandou que ela levasse um pouco de pão e de leite para sua avó. Quando a menina ia caminhando pela floresta, um lobo aproximou-se e perguntou-lhe para onde se dirigia. - Para a casa de vovó; ela respondeu. - Por que caminho você vai, o dos alfinetes ou o das agulha? - O das agulhas. Então o lobo seguiu pelo caminho dos alfinetes e chegou primeiro à casa. Matou a avó, despejou seu sangue numa garrafa e cortou sua carne em fatias, colocando tudo numa travessa. Depois, vestiu sua roupa de dormir e ficou deitado na cama, à espera.

Pam, pam.

- Entre, querida. - Olá, vovó. Trouxe para a senhora um pouco de pão e de leite. - Sirva-se também de alguma coisa, minha querida. Há carne e vinho na copa.
A menina comeu o que lhe era oferecido e, enquanto o fazia, um gatinho disse: "menina perdida! Comer a carne e beber o sangue de sua avó!"
Então, o lobo disse: -
Tire a roupa e deite-se na cama comigo. - Onde ponho meu avental? - Jogue no fogo. Você não vai precisar mais dele.
Para cada peça de roupa, corpete, saia, anágua e meias a menina fazia a mesma pergunta. E, a cada vez, o lobo respondia: - Jogue no fogo. Você não vai precisar mais dela.
Quando a menina se deitou na cama, disse: - Ah, vovó! Como você é peluda! - É para me manter mais aquecida, querida. - Ah, vovó! Que ombros largos você tem! - É para carregar melhor a lenha, querida - Ah, vovó! Como são compridas as suas unhas! - É para me coçar melhor, querida! - Ah, vovó! Que dentes grandes você tem! - É para comer melhor você, querida.

E ele a devorou.


Esta primeira versão é cheia de interpretações. Não vou encher o texto delas, mas, como estava discutindo sobre consumo ontem, vale lembrar que a versão oficial foi modificada para torná-la mais comercial. De que forma?! Oras, reforçando velhos paradigmas: o bem sempre vence, sempre há um herói, vencemos a morte (a vovozinha é retirada da barriga do Lobo), ah, e não falamos sobre sexo. Uma das melhores interpretações sobre a estória, que eu li, foi a que compara o decorrer do conto com um jogo. Cada jogador dá as suas cartas, com um pouco de atenção podemos prever o desfecho final do jogo. Perfil do jogador Lobo:

Lobo pode ser visto como metáfora do homem sedutor. Porém, o que de imediato não se pode perceber é o conteúdo simbólico contido em tal personagem. Recorrendo ao Dicionário de símbolos, diversos significados do símbolo “lobo” são encontrados. No entanto, um chama atenção para o dado contexto sedutor – o “lobo” como um símbolo devorador. O “lobo”, a partir desta interpretação, pode ser comparado a Cronos, Deus grego que devorava seus filhos. Cronos, assim, passa a ser confundido com Chronos – o tempo – mas um tempo que devora a juventude de homens e objetos. Fromm, em seu estudo A linguagem esquecida, ressalta a imagem devoradora do ato sexual tal qual Cronos devorava seus filhos e o tempo à vida, a relação sexual é encarada como o devorar da fêmea pelo macho. E é desta característica devoradora que se poderá compreender o significado simbólico do embate entre Chapeuzinho Vermelho e o Lobo. (Calina M. Fujimura - UERJ)

Depois de indentificar a figura do Lobo é mais fácil compreender a estória. Fica claro o jogo de sedução. O Lobo não representa um animal faminto que quer devorar a primeira vítima que vê pela frente e sim representa um homem astuto e sedutor que será responsável pelo amadurecimento de Chapeuzinho Vermelho. Os símbolos oferecidos por Chapeuzinho Vermelho complementam ainda mais essa visão.

"O vermelho é a cor que significa as emoções violentas, incluindo as sexuais. O capuz de veludo vermelho que a avó dá para Chapeuzinho pode então ser encarado como o símbolo de uma transferência prematura da atração sexual. "

No conto dos Grimm essa transferência do capuz não é citada, mas a transferência é feita de outra forma, no momento em que a menina bebe o sangue e come a carne da avó. Neste momento pode-se prever o futuro da menina quando o gato, simbolicamente um animal que carrega o dom da vidência (dizem que este animal tem um pé aqui e o outro no outro mundo), sentencia: - Menina perdida!

Ainda no decorrrer da história é possivel verificar a passividade de Chapeuzino Vermelho que opta pelo caminho mais longo, avisa pro Lobo, e, no caminho, se distrai colhendo avelãs - símbolo do fertilidade e da luxúria- e correndo atrás das borboletas - símbolo da metamorfose.


No desfecho final da estória as insinuações continuam, no momento em que a "inocente" menina pergunta o que deve fazer com as suas roupas. E o Lobo determina: - Jogue no fogo. Você não precisará mas dela. No diálogo seguinte ela demonstra espanto ao corpo da avó-lobo, e fala das orelhas, olhos, mãos e boca tão grandes, que por fim moldam o corpo masculino. Após este diálogo a menina é devorada, como já era previsível, pois a menina dá as cartas ao Lobo movida pela atração.
Os dois venceram a partida: "uma foi devorada, tal qual tinha sugerido desejar, e o outro devorou, como ditava sua 'fome'. Empatou." Conclui a autora do estudo Calina M. Fujimura.

6 comentários:

Anônimo disse...

Lê, você é ótima!
Desenterra cada coisa. Ai, ai...
Bjão

Anônimo disse...

teste meio sem pé nem cabeça... a discussão sobre consumo não caberia na estória do chapeuzinho vermelho... historicamente falando essa fábula, não causou grandes lucros financeiros, muito menos seu desfecho pode ser relacionada à algo produzido pra dar uma boa "perfomance"... É apenas mais uma fábula... Isso me parece mais um achado dos antigos teóricos que acreditavam em uma grande conspiração!! Porém... textos bem escritos são sempre bem vindo!!!!!

Letícia Alcântara disse...

Isso não é um achado de grandes teóricos, nem o enfoque é o consumo. O texto fala de um estudo sobre os símbolos e signos do conto. O consumo não está, necessariamente, ligado ao retorno financeiro, mas também a aceitação e disseminação do conto pelo mundo inteiro. Não tem nada de teória da conspiração neste texto. Eu, aliás, tenho até preguiça destas teorias e não divulgaria nenhuma no meu blog.

Mauro Belmiro disse...

Pois é, Letícia, a vida é uma grande fábula travestida de real. Por que, então, não sonhar no meio dessa profusão de significados? Os sonhos me deixam flutuante, inspirada para realizar as mais loucas fantasias. E, vai por mim, acabam me trazendo bons resultados.

Bom fim de semana pra vc também.

Ju

Anônimo disse...

Muito boa sua analogia da Chapéuzinho Vermelho com os símbolos, com a mensagem subliminar. Parabéns! Quando estiver famosa não esqueça das minha congratulações. Beijos...

Anônimo disse...

Essas histórias infantis e desenhos animados são memoravelmente a plena mensagem subliminar. Vejam os desenhos americanos: roupas estranhas, sempre com um parceiro homem, etc. Porém, de qualquer forma ativa as mentes infantis