27 agosto 2006

Eu quero é que se exploda a periferia toda

Parei para pensar a condição da classe média brasileira depois que me lembrei de uma música, nada comercial, do artista Max Gonzaga. Havia assistido ao vídeo da música intitulada "Classe Média" há algum tempo, e pensei que seria válido dar a dica aqui no Blog. Aprendi esta semana que alguns dizem ser, na verdade, "Classe Merdia".
Pra quem não conhece, vale a dica. Clique na foto e confira o vídeo.







Sou classe média
Papagaio de todo telejornal
Eu acredito
Na imparcialidade da revista semanal

Sou classe média,
compro roupa e gasolina no cartão
Odeio “coletivos”
e vou de carro que comprei a prestação

Só pago impostos
Estou sempre no limite do meu cheque especial
Eu viajo pouco, no máximo um pacote cvc tri-anual

Mais eu “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda

Mas fico indignado com estado quando sou incomodado
Pelo pedinte esfomeado que me estende a mão
O pára-brisa ensaboado
É camelo, biju com bala
E as peripécias do artista malabarista do farol

Mas se o assalto é em moema
O assassinato é no “jardins”
A filha do executivo é estuprada até o fim
Ai a mídia manifesta a sua opinião regressa
De implantar pena de morte, ou reduzir a idade penal
E eu que sou bem informado concordo e faço passeata
Enquanto aumenta a audiência e a tiragem do jornal

Porque eu não “to nem ai”
Se o traficante é quem manda na favela
Eu não “to nem aqui”
Se morre gente ou tem enchente em itaquera
Eu quero é que se exploda a periferia toda

Toda tragédia só me importa quando bate em minha porta
Porque é mais fácil condenar quem já cumpre pena de vida

A denominação "classe média" deixou de representar há muito tempo só uma classe econômica (se é que algum dia representou). Ser denominado como classe média expressa, além do econômico, um nível baixo - ou mal aproveitado - de intelecto e cultura.

Esta classe sócio-econômica, intelecto e cultural é alvo fácil para todas as críticas vindas de todas as outras classes sócios-econômicas, intelectos e culturais da sociedade. Encontrei uma definição que reflete bem a forma como a "classe média" é vista:

"...No Brasil ninguém defende a classe média, muito menos seus valores e sua
postura política. Os ricos são naturalmente de direita, são conservadores, querem manter o status quo. A classe média não é de direita nem de esquerda. É de centro e liberal. São os profissionais liberais por excelência, que acreditam na autonomia, na responsabilidade pessoal e social, na poupança para a velhice, nos valores familiares, no imposto sobre herança. Mas o liberalismo é a ideologia mais atacada no Brasil, pela direita e pela esquerda. A direita vê na classe média uma ameaça, a esquerda vê nela a burguesia a ser destruída..."

Professor Stephen Kanitz

Não sei se é absurdo dizer isto, mas acho que ser pobre hoje é o que há. Ser pobre é assumir que não liga para estereótipos e aproveitar o ensejo político social da atualidade e ascender socialmente. Eis um bom momento para os pobres. A classe média, muito pelo contrário. É mais fácil um pobre ascender até a classe média a um "classe mediano" ascender à alta burguesia. Mas isso se deve, sobretudo, aos preconceitos e valores que a classe média ainda carrega. Chega a ser uma ignorância por parte das pessoas, não conseguem enxergar que os símbolos que representavam um status garantido da classe média já deixaram de existir há algum tempo. Poupança já não faz diferença, faculdade já não garante um bom emprego, a sociedade já não se importa com o nome da sua família (um Silva é a autoridade máxima do nosso país), ser médico ou advogado não quer dizer ganhar mais ou estar menos no vermelho que um caminhoneiro. O cara que vende churrasquinho na porta da minha faculdade bancou o curso superior dos dois filhos. Faculdade esta que é uma das mais caras de Brasília (a particular mais importante), estudo eu que sou filha de um militar, com salário defasado; o filho de um ministro de Estado; a filha do engenheiro e também os filhos do cara que vende churrasquinho no estacionamento. O pobre sabe que pra quem já veio da exclusão tudo é lucro. Dar um passo para trás para depois dar dois adiante pode ser uma estratégia. Mas a classe média não larga o osso e vai sendo absorvida pelas novas formas de organização social.

A inclusão digital está quebrando muitas barreiras e contruindo muitas pontes. Li esta semana no Estadão uma entrevista com o cineasta Cacá Diegues e eis que ele declarava, depois de uma longa entrevista sobre os artistas não intelectuais do nosso país, que deixou de acreditar na política, mas ainda acreditava no social:

"...A tecnologia digital democratizou a produção cinematográfica, e esses meninos (das favelas) todos estão filmando. Seus curtas-metragens são originalíssimos, porque são testemunhos de própria voz. Eles são os porta-vozes de si mesmo, e isso faz muita diferença. Um desses curtas, de um cara chamado Luciano Vidigal, lá do Morro do Vidigal, ganhou o prêmio de melhor curta no Festival de Marseille este ano. Está acontecendo uma espécie de alfabetização audiovisual, assim como a Europa se alfabetizou, na aurora do Renascimento, graças à invenção da imprensa. A tecnologia digital corresponde, hoje, à invenção daquela imprensa..."

Esses meninos que vieram da exclusão social fazem desse fato uma bandeira e virarão o jogo. Eles fazem da arte, além de entretenimento, um objeto de reflexão. A tecnologia está abrindo muito espaco para isso...Será que o Brasil vai dar certo somente através dos pobres? Será que teremos uma grande revolução vinda das favelas? Será que a tecnologia vai favorecer todo este processo?

Bem, não me peçam conclusões!!! Ficam aqui as perguntas para quem se habilitar a responder.

Um comentário:

Anônimo disse...

"Eu quero que se exploda a periferia toda".

Eu gostaria que isso acontecesse veradeiramente mas em outro sentido. Gostaria de ver a periferia mostrar a que veio já que os ricos são o que são e não precisam provar nada para ninguém. A pobre burguesia... a classe média e sem vergonha deveria ser chamada na verdade de classe baixa em todos os aspectos cabíveis desse vocábulo.
Já que não tem poder "real" não tem uma voz que a represente...
São individualistas e pensam "eu posso até não subir mas ele também não subirá"... ou ainda eu posso até cair, mas, levo ele(a) junto comigo.
Os ricos não querem que ninguém suba até o patamar onde eles estão e desprezam a classe média. E os pobres desprezam a msm tbm já que sabem que ela não tem nada a não ser nome, uma pompa falida, gasta e corrompida há muito.
Se a nossa sociedade não fosse tão injusta e os nossos meios de comunicação fossem verdadeiramente imparciais a classe pobre seria notícia nas primeiras páginas por serem originais, criativos e vivos!
Com uma realidade que se explorada tem muito a contar e muito a acrescentar em nossa vida.
Muito mais que as novelas...
Viva! A nova classe. A classe que é pobre a despeito de finanças, mas rica! A despieto de espirito!